2006-03-06

Da Digitalidade Do Ser ou Experiência #1

- É impossível falar contigo.
- Não, não é, estás a falar.
- Mas não me ouves.
- Oiço.
- Mas não me ligas.
- Se não te ligasse já tinha saído.
- Mas então, percebes o que digo?
- Sim, tu falas português.
- Não é isso.
- Sim, percebo. Sentes a necessidade de mais uma vez afirmar quem és.
- Não, só acho que já não nos identificamos.
- Eu sou quem sou. Tu és quem és. Estamos bem identificados.
- Não. Quem somos um para o outro. No meio do mundo há alguém que sabe quem somos, mesmo que esse alguém esteja longe, senão não somos, e para mim esse alguém eras tu.
- Uma vez disseram-me “toma, queres um chupa?” e eu disse que sim, e nesse momento fui a pessoa mais completa que podia ser, mesmo depois de lhe dizer “sim, e também um bolo”, foi com esse pequeno gesto que me senti completo e identificado, alguém. Anos mais tarde, isto passou-se era eu pequeno caso não tenhas percebido, essa pessoa deixou-me, nunca mais a vi. Chorei-a, e não era completo nem identificado nem alguém que me sentisse alguém nesses momentos, simplesmente porque ela não era. Percebo-te, mas também sei que se ultrapassa a perda, a identificação cresce dentro de nós. Depois, perdi alguém que nunca identifiquei, não o chorei, mas perdi e nada me fez.
- Como esse alguém que foste, sou eu agora.
- Não, ainda vais ser, vais ser alguém que mudou.
- Mudamos sempre.
- Acabámos de mudar.
- Mudámos de estado. A cada vez que alguém nos olha já não somos, fomos.
- Como tal foste, mas continuas a ser.
- Adeus, então.
- Adeus.