2015-07-20

Diários de uma ex-obsessiva-compulsiva apaixonada II



Maria passara dez anos sem homem, sem desejo, sem paixão, sem sexo, sem amor.
Nunca sentira solidão. Mesmo sozinha nunca se sentia só.
Nunca sentira falta de afecto e carinho. A família era disso uma fonte inesgotável.
Nunca sentira vontade de intimidade. Estranhamente essa necessidade desaparecera.
Nem de companhia para uma conversa sentira a falta, pois desenvolvera uma estranha capacidade de falar consigo própria. E, nem sempre de acordo com ela mesma, conseguia “debater” todos os assuntos de forma calma.
Por vezes, quando o peso do trabalho era muito, sentia falta de ajuda. De alguém que dividisse o peso. Mas eram breves instantes que sacudia da cabeça com um sorriso de quem sabe que todas as ajudas têm um preço e de quem tem a certeza de que não vale a pena pagá-lo. Por isso foi lutando com todos os pesos que a vida se encarregou de lhe colocar no jugo.
E o consolo também não lhe fazia falta. Maria descobriu que quando a dor é intolerável de nada serve ter alguém ao lado. As nossas dores não são divisíveis. A pena dos outros apenas nos enfraquece a alma. Por isso a vida foi dando as suas retorcidas e tortuosas voltas e Maria foi-se isolando cada vez mais.
A paz das chatices do dia à dia, que nos ocupam sem nos magoar, instalou-se na sua vida.

Nada faria supor que rever alguém passados vinte anos beliscasse tamanha inércia.
Mas a intensidade daquele olhar perfurou a grande carapaça e verteu-se, derramou-se nas suas entranhas. Aqueles olhos feitos de fogo e água deixaram escaldante o seu coração amolecido pelo eco de um amor renascido.
Mas o toque daquelas mãos nas suas fizeram-na sentiu-se possuída por sensações que já não lembrava, por vontades sôfregas que já pensava mortas, por sentimentos que já julgava imaginados.
Naquele olhar voltou a ser jovem, voltou a amar, voltou a desfrutar das delícias e das torturas da paixão.
Maria sentia agora a dor de amar quem não podia, quem não devia, quem nunca voltaria a gostar dela. Ela sofria por perder aquilo que não tinha agora e antes não quisera ter.
E pensava “Aqui tens a tua vingança por toda a mágoa e sofrimento que te causei há vinte anos atrás”.
E desejava “Como seria bom voltar aos teus braços e abraços”.
E sonhava “Perdoa-me meu amor que nunca mais irei magoar-te”.
E sofria no arfar do peito dorido de tanto suspiro sem resposta.

Maria passara dez anos sem homem, sem desejo, sem paixão, sem sexo, sem amor.
Nunca sentira falta de companhia, de intimidade, de carinho, de nada.
De nada, excepto dele! Presa ao passado de um amor que já não é seu. A cada segundo sofre por não estar com o seu amado de há trinta anos atrás…

1 Comments:

Blogger Nocturno said...

Excelente regresso, Meriel, bem ao teu estilo melancólico e arrebatador. :P
Espero que o fim da história esteja à altura.

Nota: ...e após quase sete anos (!), eis que o blogue volta com uma toada sentimental e profunda, cheia de sentimentos puros, de paixão e mágoa, amor e decepção, sofrimento e cor. Hinos à realidade, nada como os posts de antigamente sobre maluqueiras, zombies e hortaliças.

Enfim, Ragnav, volta com urgência!

8:53 da tarde  

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