2006-05-11

A Ilusão da Imortalidade III

- Amo-te!
Sónia abriu a boca, de espanto. Quando aceitara aquele convite para ir ao bar mais popular da cidade pensou que ia estar no meio de um grupo de amigos. Apercebeu-se depois que o encontro apenas ia incluir duas pessoas. Apesar de achar estranho esse facto, a conversa convergiu para algo que a apanhou completamente de surpresa.
- O quê?! – Proferiu, após alguns segundos de silêncio. – Mas... Rita... tu amas-me?
- Sim... estou apaixonada por ti!– Confessou a amiga, sentada do outro lado da mesa.
Sónia encostou-se às costas da cadeira, abismada.
- Há muito tempo... – Murmurou Rita, baixando os olhos.
Abismada, Sónia desviou o olhar para a rua, através da janela. É verdade que a amiga sempre lhe fora muito dedicada, mas sempre a considerara como uma espécie de irmã.
- Mas... Rita... – Começou, sem desviar os olhos da rua, mas não sabendo como continuar calou-se. Permaneceram assim, em silêncio, durante largos momentos. Até que algo prendeu a atenção de Sónia, desviando-a daquele assunto. Pela rua quase deserta deambulava um habitual vendedor de rosas amarelas. As pessoas passavam pelo homem sem lhe ligarem e ele não as incomodava para tentar vender as rosas. Simplesmente caminhava, transportando as rosas ao colo, discretamente.
- Não saias daí, Rita... – Disse Sónia rapidamente, enquanto se levantava. Saiu do bar e lançou-se a passos rápidos atrás do vendedor.
- Desculpe! Senhor... – Chamou, em voz alta.
Sem se voltar, o homem continuou a caminhar ao mesmo ritmo.
- Senhor! – Voltou a chamar. Sónia encontrava-se a uns bons vinte metros do homem, mas com a rua praticamente deserta era impossível não conseguir apanhá-lo sem precisar de correr. “Isto é estúpido”, pensou, “mas se lhe comprar uma rosa pelo menos não vou ficar a pensar mais no assunto...” Continuou a andar na direcção do vendedor. Estava já muito perto quando alguém lhe deu um encontrão e a agarrou pelo braço esquerdo, assustando-a e obrigando-a a parar.
- Sónia! Porque é que me deixaste sozinha?
- Rita! – gritou Sónia – Assustaste-me!
- Escusavas de ter fugido! – Gemeu a amiga, quase em pranto.
- Eu não fugi! - Contrapôs Sónia, mais calmamente. – Volta para o bar. Já lá vou ter contigo.
- Não quero voltar para o bar. Não vais voltar. Nunca devia ter-te dito... – Murmurou Rita, com uma expressão de dor, ao mesmo tempo que uma lágrima percorreu a sua face. Sónia voltou-se na direcção do vendedor. Este estava novamente a vinte metros de distância, mas continuava a caminhar lentamente.
- Então fica aqui! – Disse Sónia, olhando fixamente para o homem. – Eu venho já! Prometo!
Tentou dar um passo mas a amiga continuava a agarrar-lhe firmemente o braço com as duas mãos.
- Não me deixes! Eu prometo que não volto a tocar no assunto! Continuaremos amigas...
Sónia encarou de novo a amiga.
- Eu não me vou embora! Só quero falar com aquele homem. Já venho, prometo!
O vendedor estava cada vez mais longe. Tentou dar novo passo mas continuava bem presa.
- Sónia! Por favor...
- Larga-me! – Exclamou Sónia, abanando o braço.
- Não! – O berro da amiga petrificou Sónia. A voz saíra profunda, poderosa e grotesca. Não era a voz de Rita. Não era sequer uma voz humana.
Rita atirou-se à amiga e, agarrando-a pelo colarinho, atirou-a com uma força imensa ao chão.
- Eles não são como tu. São-te interditos! – A voz era aterradora. Apesar do choque, Sónia conseguiu rebolar no chão e evitar que a amiga se atirasse para cima dela. Depois levantou-se e preparou-se para se defender.
- Estás proibida! – Rugiu novamente a voz através de Rita. Esta atirou-se à presa rapida e selvaticamente, tentando com um impulso atingir Sónia no estômago com os punhos. Sónia, prevendo o movimento, conseguiu agarrar-lhe os pulsos e aproveitar o impulso para atirar a adversária contra a parede situada atrás de si. Rita embateu no cimento com toda a força e caiu na calçada.
- Estás proibida! – Repetiu a aberração tentando levantar-se, cambaleante. Aterrada e sem pensar, Sónia arremessou todo o seu peso contra a sua adversária, comprimindo-a contra a parede. Rita vacilou enquanto a amiga recuava dois passos. Depois, Sónia arremeteu uma segunda vez. Rita caiu no chão, desamparada, e ficou imóvel.
Sónia ficou alguns momentos de pé, aterrada e com o coração aos saltos, a olhar para a amiga prostrada. Sem se conseguir acalmar, decidiu por intuição pedir ajuda. Recuou dois passos e olhou em volta. Não via ninguém na rua, aparentemente ninguém testemunhara o que se havia passado. A tremer e sem conseguir pensar, Sónia afastou-se instintivamente alguns metros do corpo da amiga inconsciente e sentou-se no chão, encostada à parede do prédio ao lado. Ficou ali durante horas, com a mente mergulhada num mar de imagens soltas, desordenadas e assustadoras. Estava em estado de choque quando alguém a encontrou e a levou ao hospital.

1 Comments:

Blogger Meriel said...

Afinal eu estava errada. Já temos uma cena de porrada :)
E muito bem descrita.
Cada vez estou mais curiosa para ver como é que isto acaba.
jocas

11:03 da manhã  

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