2006-05-03

Quer Quarto?

Hoje vou falar-vos da Nazaré. Fui lá passar um destes fins-de-semana com a minha esposa, em busca de agradáveis passeios perto do mar mergulhados numa calma e serenidade absolutas. Uma vila tão pitoresca, com perfume a oceano e longe dos grandes centros urbanos, proporciona certamente um belo e merecido repouso. Certo? Errado! Em vez de um fim-de-semana pacífico e tranquilizador obtivemos uma fonte de stress, fadiga extrema e trauma psicológico.
Isto porque fomos assediados e perseguidos implacavelmente. Estas perseguições não foram, como poderia pensar o/a ingénuo/a leitor(a), levadas a cabo por bandidos, assassinos, traficantes ou políticos, mas por algo muito, muito mais aterrorizador: peixeiras e vendedoras. Sim, aquelas personagens tradicionais que envergam trajes típicos e assumem desta forma um ar inofensivo, causam na verdade terror entre as pessoas mais incautas e também as outras. Eu explico.
A cada cinco metros de distância nas ruas existe uma destas figuras transportando ao colo uma placa com estas inscrições já célebres nas zonas turísticas: "Rooms, Chambres, Zimmer". E qualquer uma delas, sempre que por si passa uma inocente pessoa das que não transporta uma placa igual, aproxima-se e pergunta "quer quarto?". Bem, isto não é totalmente verdade: existem também as variantes menos utilizadas "deseja quarto?" e "já têm quarto?".
Não sei como é que os restantes habitantes da Nazaré, os que não transportam a placa da ordem, conseguem manter a sanidade naquele lugar. Se calhar existe um qualquer sexto sentido que permite às senhoras perceber se uma pessoa que por ali passa habita permanentemente na Nazaré ou está lá apenas pontualmente. Se calhar existe uma forma de andar ou de olhar comum entre os habitantes da Nazaré e da qual os turistas não se apercebem. Se calhar as senhoras com as placas são os únicos habitantes permanentes da Nazaré. E, se assim é, como se reproduzem elas, uma vez que não se vêem homens com placas? Atacarão durante a noite os turistas a quem alugaram os quartos?
Outro aspecto interessante é a parecença entre a abordagem feita durante a venda de droga nas ruas de Lisboa com a praticada para o aluguer de quartos nas ruas da Nazaré. A pergunta "quer quarto?" é feita exactamente com o mesmo tom de voz com que um tipo de mau aspecto se aproxima de nós numa artéria movimentada da capital e diz "querem erva da boa?" ou "vai uma pastilha?".
Resumindo, ao fim de dez minutos a passear na rua, cerca de cento e trinta e sete vezes nos perguntaram se queríamos quarto. Respondi às primeiras vinte e sete com um "não, obrigado", às seguintes trinta e duas acenei negativamente e nas vezes seguintes mantive-me impassível, atirando mentalmente às senhoras com todos os nomes feios que as nossas mães nos ensinam a não chamar às pessoas. Ao fim de duas horas refugiámo-nos, massacrados, no hotel - onde, SIM, já tínhamos quarto! - e assim que foi possível fugimos daquela vila aterrorizadora.
Na Segunda-Feira lá voltámos ao conforto e descanso do nosso local de trabalho, onde há menos stress. Posso dizer que, hoje em dia, se um colega me irrita ou os chefes chateiam, o meu pensamento voa até à Nazaré e eu sorrio, feliz com a sensação de poder estar, nos dias úteis, em local tão calmo e sossegado.

4 Comments:

Blogger Meriel said...

Noc,
Queres quarto? :))))))))))
Brilhante e hilariante!
Mas afinal acho que não trabalhamos na mesma empresa.
Venham daí as varinas de tabuleta em punho e até podem bater-me com elas. Isso é levinho e fraquito comparado com isto bah
jocas

6:46 da tarde  
Blogger Manel Cunha Calado said...

Caro Noturno, infelizmente teve azar e não foi brindado com as melhores das expressões, do tipo:
"Amores, querem um quartinho?"
ou
"Queridos, já têm onde ficar?"
ou
"Ah amores meus, nã querem um quartinho...?"

Teve azar.
Eu sou da Nazaré e tenho pena que apenas isso lhe tenha ficado na lembrança! atreva-se a voltar e se quiser, eu tenho aqui uns quartinhos para alugar!
:)

8:25 da tarde  
Blogger Nocturno said...

Caro m@nelito,
Não leves a sério o meu texto. Foi apenas um devaneio cómico sobre uma situação que, apesar de mentalmente desgastante, se encontra muito exageradamente descrita. Pronto, um bocadinho exageradamente.
Não quis ferir susceptibilidades, eu e a minha esposa na realidade gostamos muito da Nazaré e iremos voltar muitas vezes (de resto já lá tinhamos estado antes).
Não, nada disto é para levar a sério.
Devo acrescentar que, para além disto, ninguém leva a sério qualquer coisa que eu escreva.
E não, não foi apenas a questão dos quartos que me ficou na memória. Temos ainda as outras dezenas de amáveis senhoras que vendem na rua doces, frutos secos e peixe cru. Mas fica para um próximo texto... :)

1:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Fiquei mais descansada depois de ver este seu comentário.
Tenho a Nazaré como minha segunda terra de coração e adoro as Nazarenas que nos tratam como quem nos conhece desde sempre. É uma tradição viva que de facto é preciso olhar com o coração para se entender e gostar.
Eu gosto.

3:35 da tarde  

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