2005-07-27

#11 sentir?



Convidados em minha casa, entrem e sintam-se como em vossa casa, são livres de se banquetearem com o manjar dos deuses que está sobre a mesa, satisfaçam-se, está tudo aí para vocês!
Digo isto através da minha mascara sorridente, bem lá no fundo nenhum deles era sequer digno de pisar a alcatifa da minha sala, apenas porcos chafurdando nos belos serviços que a minha mãe comprara, bebendo dos cristalinos copos de pé alto, mastigando grotescamente os canapés, ruminando o caviar e rindo cinicamente um para os outros comentando que tudo estava divinalmente confeccionado. Nojentos e gordurosos, barrados em óleos corporais, brilhantes como vaselina liquida, e fedendo aos perfumes caros que conspurcavam cada um à sua maneira o ar precioso. Quem me dera começar a matança de uma vez e livrar a terra destes burgueses merdosos, destes pedantes rafeiros que mancham de desonra a condição humana…
O meu ser reprimido arrepia-se com tamanha lascívia, roçam-se asquerosos uns nos outros, os afrodisíacos começavam a fazer efeito e eu via-me enjoado com o abominável comportamento símio dos degenerados convidados. Quando as orgias começaram a irromper em todos os cantos escuros da grande sala palaciana já eu tinha vomitado duas vezes. Estava na hora de executar a última parte do plano, até aqui foi simples induzi-los em gula e luxúria, esses corrompidos primatas cujos órgãos sexuais controlam o discernimento. Tinham assinado a sua sentença de morte, nem mesmo depois de despoletar a engrenagem eles compreenderiam o que ia acontecer, iriam aceitar o seu destino ante o pacto que tinham com os outros seres que estavam enlaçados neles.
Subi as escadas que vinham da cave com a moto serra e despedacei corpos, pintei as paredes como um Kandinski hipoteticamente vermelho na sua fase abstraccionista lírica, e mesmo depois de mortos continuei a dissecar-lhes os corpos. Uns e outros ainda gemendo, fui desmembrando-os um a um ante os gritos arrepiantes num misto de dor e prazer para alguns, de puro histerismo para outros; foi a minha perfeita vingança para os cabrões dos meus pseudo-amigos e familiares pusilânimes, venenosos e traidores. Tudo aquilo me levou ao rubro e não, acreditem, não sou doente, simplesmente nunca tinha sentido tanto prazer e o meu corpo libertou-se em espasmos empíricos longe da minha capacidade de entendimento.
Uma vez que o meu corpo começava a libertar os nojentos fluidos e estes se misturavam com o vermelho que tingira a minha camisa branca decidi-me a limpar-me, mas antes disso tinha que contemplar aquele cenário pós-apocalíptico de líquidos espessos nas paredes e chão, de corpos semi-nús desfigurados e desmembrados, alguns gemidos ainda de ouviam abafados pela marcha fúnebre para cordas de Lutoslauski e o ar via-se tingido de fumo vermelho. E por fim, cansado, levantei-me e agarrei numa pá grande que tinha deixado providencialmente no todo das escadas e comecei a bater com ela nas cabeças que ainda libertavam sons, gostas de sangue libertavam-se kathardicamente entre cada pancada, entrei em êxtase uma vez mais quando todo o vermelho das paredes foi ainda mais intensificado por luzes vermelhas do exterior, e tornava-se progressivamente roxa e negra pelas sereias azuis, passando a roxo e a vermelho intenso uma vez mais, dando de novo lugar ao azul incessantemente.
Eu sabia que lá de fora se podia ver os cortinados vermelhos, sabia que sangue escorria por baixo da porta e lavava os degraus, decidi apresentar-me ao chamamento, abri a porta sorrindo com a pá na mão, tremendo de êxtase e ansiedade, dando gargalhadas soturnas.

perdoem-me massacrar assim um Kandinski.

5 Comments:

Blogger Nocturno said...

sangrento! nojento! macabro!

brilhante! =)

9:28 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

LOL "Burgueses merdosos" "pedantes rafeiros", Syn tu estás lá!!!!

3:48 da tarde  
Blogger Meriel said...

Só não percebi uma coisa:
O gajo só lhes tinha dado afrodisíacos, certo?!
então quando ele começou a moto-serrar os primeiros porquê que os outros não reagiram? Fugindo ou atacando? Os afrodisiacos não fazem parara o cérebro. E o instinto de sobrevivência é sempre o que fala mais alto!

11:36 da tarde  
Blogger Meriel said...

Quanto ao Kandinski, de facto não era preciso a tua intervenção, o próprio já tinha massacrado as telas o suficiente ;|:)))

11:41 da tarde  
Blogger Syn said...

pah, meriel, isto é um gozo =) claro que afrodisiaco não te deixa sem noção do que te rodeia, mas abre os olhos para a ficção! e não digas mal do Kandisnki! :D =P

4:52 da manhã  

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